A atualização da descrição do imóvel

Gabriel Campos de Souza
16/06/2019
09:55:02

A atualização da descrição do imóvel: novos instrumentos para operacionalizar o princípio da especialização objetiva em prol da segurança jurídica.

Nos dias atuais, são comuns os casos de não localização de imóveis pela simples leitura da matrícula imobiliária. Oficiais de justiça se dirigem ao Cartório de Registro de Imóveis para tentar localizar onde fica determinado imóvel para realizar penhora. Engenheiros agrimensores não conseguem localizar determinados imóveis rurais para trabalhos técnicos de georreferenciamento sem que os proprietários os levem diretamente ao imóvel. Em projetos de financiamento rural, a vistoria realizada pela empresa contratada pelo banco só tem êxito porque o proprietário conduz o vistoriador ao imóvel. As secretarias da fazenda municipais não conseguem realizar o correto cadastro imobiliário dos imóveis pela deficiência na descrição das matrículas. Na maioria dos casos, a leitura da matrícula do imóvel não é suficiente para perfeita localização do mesmo.

Todo imóvel, que seja objeto de título a ser registrado para constituição de direito real, deve possuir matrícula no Livro 2 – Registro Geral, conforme dispõe art. 176 e 227 da Lei nº. 6.015\1973. O art. 176 da Lei nº. 6.015/1973 estabelece os requisitos da matrícula, dentre os quais estão as confrontações, que são a física (denominação do imóvel rural), a pessoal (nome do proprietário ou titular de direito real ou possuidor) e a tabular (matrícula, transcrição ou informação de que não possui registro).

A confrontação precisa atende ao PRINCÍPIO DA ESPECIALIZAÇÃO OBJETIVA. Esse princípio é estrutural do direito registral e estabelece a diretriz de que a matrícula deve identificar perfeitamente o imóvel sem deixar nenhuma dúvida sobre a área, perímetro, medidas, denominação, localização e confrontação do imóvel. Quem não conhece o imóvel, deve conseguir chegar até ele apenas lendo o texto da matrícula.

O professor VENICIO SALLES resume objetivamente a questão da confrontação da seguinte forma:

A ficha da matrícula deve ser um instrumento de informação ao mesmo tempo preciso e fácil, para melhor orientar os interessados e envolvidos, de forma que a indicação apenas dos confrontantes gera incerteza e dúvida que dificultam a melhor visualização dos direitos envolvidos.” DIREITO REGISTRAL IMOBILIÁRIO. SARAIVA. 3ª ed. 2012"

Ocorre que, no Brasil, por um problema da língua portuguesa, essa estrutura da confrontação física, tabular e pessoal não foi obedecida. Isto porque, nos últimos mais de 40 anos, os Tabeliães e Registradores interpretaram o art. 225 da Lei nº. 6.015\1973 de forma limitada e restritiva. Dispõe ao art. 225 da Lei nº. 6.015\1973 que os tabeliães, escrivães e juízes farão com que, nas escrituras e nos autos judiciais, as partes indiquem, com precisão, os característicos, as confrontações e as localizações dos imóveis, mencionando os nomes dos confrontantes. A oração gramatical “mencionando os nomes dos confrontantes” é uma oração coordenada sindética aditiva reduzida de gerúndio.

A oração coordenada sindética aditiva expressa ideia de acréscimo ou adição à oração anterior e podem ter conjunções coordenativas aditivas, tais como: e, nem, bem como, não só... mas também, não só... como também, não só... mas ainda, não só... bem como. Já as orações reduzidas são estruturas gramaticais que não possuem conjunção e ne pronome relativ ligando-as a outras. Logo, a oração “mencionando os nomes dos confrontantes” deveria expressar a seguinte ideia em relação a primeira oração contida no caput do art. 225 da Lei nº. 6.015\1973: Tabelião, Escrivão, Juiz, não esqueça de adicionar o nome dos titulares de direitos reais confrontantes do imóvel objeto da descrição quando redigirem os atos notariais e judiciais em que já tenham descrito a confrontação física (denominação ou endereço e número de porta) e confrontação tabular (matrícula do imóvel confrontante).

Por essa razão, em 2004, iniciaram-se reformas na estrutura do direito registral imobiliário para contemplar a necessidade de adequação da descrição dos imóveis a uma estrutura textual que permita o cumprimento do princípio da especialização objetiva, a saber, uma estrutura textual que garanta segurança jurídica na perfeita identificação do imóvel rural.

A Lei nº. 10.931/2004 deu nova redação aos arts. 212 e 213 da Lei nº. 6.015\1973. Com essas alterações, o arcabouço jurídico-registral passou a contar com instrumentos operacionais para viabilizar o cumprimento do princípio da especialização objetiva.

O próprio art. 213, inciso I, alínea b, da Lei nº. 6.015/1973, com redação dada pela Lei nº. 10.931/2004, estabelece que o oficial retificará o registro nos casos de indicação ou atualização de confrontação.

Em 2009, no Estado de Sergipe, editou-se a Consolidação Normativa Extrajudicial do Tribunal de Justiça de Sergipe que estabelece no art. 583 que a matrícula precisa ter elementos indispensáveis de identificação e, no caso de ausência, a matrícula deve ser completada e atualizada com documentos oficiais.

No art. 580, inciso IV, da mesma Consolidação Normativa Extrajudicial do Tribunal de Justiça de Sergipe, restou estabelecido que as confrontações são requisitos da matrícula, sendo inadmitidas expressões genéricas, tais como "com quem de direito", ou "com sucessores" de determinadas pessoas.

Em 2013, com a edição do Manual Técnico de Limites e Confrontações: georreferenciamento de imóveis rurais– 1ª edição pelo INCRA, estabeleceu-se as seguintes normas técnicas - CONFRONTAÇÃO - Para identificar corretamente os limites do imóvel, o credenciado deve efetuar uma criteriosa análise de documentos relacionados ao mesmo, buscando esgotar as dúvidas quanto à sua localização. Elementos principais de pesquisa: (...) b) Matrículas e/ou transcrições dos imóveis vizinhos; c) Títulos de domínio. Exemplos: escritura pública, formal de partilha, carta de arrematação, sentença de usucapião, título de legitimação de terras devolutas, dentre outros.

Nessa nova técnica, os confrontantes devem ser identificados pelo número de porta e nome da rua (urbano) ou denominação (rural), sendo esta a confrontação física; os confrontantes devem ser identificados pela matrícula do imóvel, que consiste na confrontação tabular; e, por fim, os confrontantes devem ser identificados pelo nome e, se possível endereço, identidade ou CPF dos titulares de direitos reais sobre as matrículas confrontantes ou possuidores, que consiste na confrontação pessoal.

Como bem resumiu o Manual Técnico de Limites e Confrontações: georreferenciamento de imóveis rurais– 1ª edição pelo INCRA, “é importante destacar que a identificação da confrontação não está vinculada à pessoa e sim ao objeto (imóvel).”

Existem diversos outros novos dispositivos que operacionalizam o princípio da especialização objetiva, porém, o espaço deste artigo não é suficiente para contemplar todos. Importa entender que, agora, no moderno sistema de reconhecimento da propriedade imobiliária (sistema híbrido – título x modo), cabe aos Tabeliães e Registradores a operacionalização desses instrumentos para regularizar as matrículas imobiliárias e garantir a descrição mais atual e adequada dos imóveis sujeitos a registro, a fim de que a segurança jurídica possa permear todas as operações no mercado imobiliário, seja de habitação, comercialização ou investimento.

*Gabriel Campos de Souza é Oficial Registrador Titular do Cartório do 2º Ofício de Capela/SE e Diretor de Tecnologia e Qualidade da ANOREG/SE. 
Pós-Graduado em Direito Processual Civil e em Direito Imobiliário